Ain, Ain Soph, Ain Soph Aur. Uma meditação.

Algumas considerações sobre os três Véus do Negativo
(Ain, Ain Soph, e Ain Soph Aur)

A meditação sobre o Nada tem se mostrado de suma importância. O Nada não possui somente um significado. O Nada possui múltiplos significados. Nada como ausência de Ser. Nada como ilimitado (Infinito). O Nada como ausência de Sentido (télos). O Nada como ausência de Eu (anata). O Nada como Absoluto (Tao).

O Nada é o Não, a ausência, o não-ser. E, também, o Nada pode ser o Todo, no sentido da insignificância da totalidade. Neste sentido, o Nada seria o sem sentido, sem significado, sem de onde e sem para onde, sem Télos, sem direção motivo e por quê. Ou seja, a insignificância da Totalidade.

Poucas mentes conseguem compreender a fórmula 0=2. Ou mesmo a máxima que diz: “Nada=Muitos=Dois=Um=Tudo=Nada” (certificar “O Livro de Thoth”, p.19). Equivaler o Todo com o Nada é algo complexo que requer meditação. Equivaler os Muitos com o Dois e o Dois com o Um, e o Um com o Todo, e o Todo como Nada, é algo surpreendente. Podemos dizer que tal compreensão é o fim último de muitas religiões como Thelema, o Taoismo e o Budismo. Assim como a compreensão de outra faceta do Nada, o Não-Eu, é algo ultimo na escalada espiritual.

O Nada foi debatido longamente na filosofia. Em Heidegger, o Nada possui um lugar fundamental. É o principal assunto nos comentários sobre a Metafísica (certificar o livreto “O que é Metafísica?” e o posfácio e introdução deste texto). No Livro “Ser e Tempo” o Nada ocupa um papel central no desenvolvimento da Analítica Existencial do que é Homem (que Heidegger denomina como Dasein, Ser-aí, ou presença, para mostrar que seu conceito de humano vai além do que comumente se compreende por aquilo que nós mesmos somos). O conceito de “Angustia” desenvolvido por Heidegger é uma base filosófica para aquilo que é conhecido como “A noite escura da alma”, ou “a visão do grande sofrimento” onde se tem contato com a insignificância da ausência de sentido da “Grande Piada Cósmica”. A Angustia para Heidegger se dá por um contato com o Nada.

Sartre também se debruça sobre a questão do Nada. Seu livro “O Ser e o Nada” é uma análise pormenorizada do Nada em contraste e relação com o Ser. A Filosofia contemporânea dá grandes ajudas à espiritualidade, fundamentando vários conceitos usados no Ocultismo ocidental principalmente depois de Aleister Crowley, como a questão da destruição o Eu (ego) e a compreensão geral do Nada.

A Física atual (e a medieval também com o conceito de Éter) vasculha e caminha na senda do Nada. Conceitos como o Espaço-Tempo infinito; anti-matéria; salto quântico; o princípio da incerteza; fazem do Nada um assunto em voga e que possui muito a nos oferecer.

O presente ensaio meditativo analisará um velho conhecido conceito do Nada dos cabalistas. Os três véus do negativo, o Ain, Ain Soph, e o Ain soph aur.

I

AIN (Nada, ou, Não).

Ain é o Fundamento. Por Fundamento queremos dizer o mais essencial. A primeira condição. Por Primeira Condição não queremos, de modo algum, nos referir à uma ordem cronológica. Por Fundamento e Primeira Condição, não queremos dizer sobre uma ordem de criação, de causalidade. Ain não é o zero de uma escala sequencial de onde surgem os demais números. Ain não é o princípio criador, o primeiro, a causa-sui. Como se do Ain, de repente, literalmente do Nada, surgisse a Coroa (Kether e demais existentes) surgisse o Ser. Podemos dizer, certamente, que Nunca Houve Ain somente. Nunca houve Ain no sentido de que nunca houve na História Eterna da Existência um momento em que só havia Ain. Nunca houve Ain Absoluto, sozinho. Nunca houve o Nada, mas sempre o Ser. Se, em um momento da História Eterna do Ser, tivesse havido Ain Absoluto (Nada Absoluto), nunca teria havido Existência (Ser), mas somente Nada. Por haver Ser, por haver Existência, nunca houve, então, necessariamente, somente Ain.

Mas, mesmo assim, embora nunca tenha havido somente Ain, Ain é o Fundamento. A primeira condição. Para haver Ser, para haver existência, para haver qualquer coisa, de Deus a matéria, se precisa do Fundamento, da base. O Fundamento, a base de Tudo, é Ain. Ain não é nenhum existente, não possui uma substância, antes, é a condição de possibilidade para qualquer substância. Ain não existe, antes, é a possibilidade para que haja existência. Se Deus existe, Deus existe no Ain. Sem Ain, não há Deus.
Ain é Vazio. O Vácuo absoluto. Nada. Não. A base do Ser. O Zero como condição dos numerais, mas, nunca ,como causa primeira.

II

AIN SOPH (EN SOF: E=SEM, SOF=FIM)

Ain Soph é o complemento necessário de Ain. Ain mostra a completa ausência, o completo Nada, o não-ser, o vácuo, o sem-existência, e, ao mesmo tempo, o Fundamento Absoluto. Ain Soph mostra que este Ain é ilimitado, sem fim. O Nada precisa ser, também, Espacial, ou seja, sem-fim, ilimitado. Se o Nada tivesse fim, ou seja, se o Nada fosse limitado, ele não seria mais o Nada, mas seria algo, algo com limites, pois somente algo que existe possui limites. Mas o Nada é Nada-sem-limites (Ain soph)

Ain Soph é o acréscimo Espacial de Ain. Enquanto Ain é o Nada, Ain Soph vem nos mostrar que este Nada deve ser, necessariamente, complementado pelo Sem-fim. Ain Soph é Espacial. O Nada (Ain) é infinito, sem-fim, ilimitado e, em sua máxima essência, em seu Fundamento Absoluto, um Espaço infinito e vazio. Ain Soph é o Vazio sem-fim. Sem nenhum objeto. Sem nenhuma substância. O Nada sem-fim e Absoluto. No Nada-sem-limites não há ainda a Luz de Ain Soh Aur. O Nada e o Ilimitado são vazios. São a condição de possibilidade de Ain Soph Aur. Ain e Ain Soph existiriam sem Ain Soph Aur, mas Ain Soph Aur não existiria sem Ain e Ain Soph.

III

AIN SOPH AUR
(Literalmente: Nada ilimitado Luz; Luz como um Nada ilimitado; ou, como comumente se traduz: Luz ilimitada. O problema deste última tradução é esquecer do Nada. Neste ensaio traduziremos Ain Soph Aur como Nada-luz-ilimitada).

Ain Soph Aur é o primeiro existente. Nos outros véus não há existência e eles precisam ser pensados necessariamente como sem-existência. Por primeiro existente não queremos dizer a primeira causa, a causa sui, como que se Ain Soph Aur fosse o criador das demais existências. Não. Devemos afastar da mente a ideia de um primeiro criador, de uma primeira causa, somente assim compreenderemos a natureza do Nada presente nestes três véus negativos e a natureza Total da própria Cabala no geral.

A existência não surgiu do Nada. Isso seria impossível. Sempre houve existência. Alguma coisa sempre existiu. Nunca houve, na história do Tempo Eterno, um momento se quer em que não havia algum existente. Até mesmo o criacionismo Cristista não diz que a Existência surgiu do Nada, de modo algum. A existência no Criacionismo surgiu de Deus, e Deus é um Existente Eterno. Do Nada, Nada vem, já nos diz nossa boa e saudável lógica.

Ain Soph Aur, Ain e Ain Soph, são os Fundamentos de Toda existência. Repetindo: não no sentido de origem (causa), mas no sentido de Base, de solo, de primeira e mais fundamental necessidade. Nada do que existe poderia existir se não houvesse este “pano de fundo” do Nada-luz-ilimitada. Os três véus do negativo vem antes, como possibilidade de toda árvore cabalista que compreende toda a existência.

A substância (existente) que preenche este Nada Sem-Fim (Ain Soph) é o Nada-Luz-Ilimitada (Ain soph Aur). Este Nada-Luz-Ilimitada existe SOBRE este Nada Sem-Fim. Neste momento de nossa meditação, devemos elucidar algo muito importante. Pois, aqui se separa o Nada enquanto vazio da substância que o preenche. A substância do Nada-sem-fim deve poder ser separada dele. Pois, se tirarmos toda a substância do Espaço Infinito Ilimitado, se tirarmos o Ain Soph Aur, ainda sobraria o Nada Absoluto Ilimitado (Ain, Ain Soph). Se retirarmos toda a existência do Universo, sobraria o Nada-Ilimitado (Ain Soph). O Ain Soph Aur paira sobre o Ain Soph. O Ain Soph é mais fundamental, mas princípio do que o Ain Soph Aur. Aqueles que escreveram a Cabala foram sábios em suas escalas de princípios negativos. Primeiro se tem o Ain, depois Ain Soph e, por último, Ain Soph Aur. Se retirarmos todo o Nada-luz-ilimitada, a primeira existência, se retirarmos toda a existência do cosmo, sobraria ainda “algo”, ou seja, o Nada-Sem-Fim.

A substância que ocupa todo o Vazio Ilimitado do Nada é, também, ilimitada. Este Nada-Luz-Ilimitada é infinita, sem fim, ou seja, Ain Soph Aur é infinito assim como sua Base existencial. Sendo assim, Ain Soph Aur não possui uma quantidade; não possui uma origem de onde é vertido; também não foi criado, produzido em um momento; o Ain Soph Aur sempre existiu junto com o Ain e o Ain soph. Nunca houve um momento se quer da História do Tempo Eterno em que não houvesse a Luz-Ilimitada. Ain Soph Aur é eterno.

Faltam algumas meditações sobre a natureza de Ain Soph Aur. O que seria a Luz do Nada-Luz-Ilimitada? Por que afinal, Luz? Qual a natureza desta Luz?

Normalmente, quando pensamos em Luz, pensamos em algo que emana esta Luz. A Luz do Universo, segundo a Física, vem das Estrelas. Sem Estrelas não haveria Luz no Universo e ele seria completamente escuro. Normalmente, quando pensamos em Luz pensamos em um emissor desta luz, um ponto de onde a luz emana, uma Estrela, uma lâmpada, um lampião, uma vela. Mas, Ain Soph Aur, não possui a natureza destas luzes que comumente pensamos. Este Nada-Luz-Ilimitada não se origina de um ponto emissor de luz. Ain Soph Aur não é um ponto emissor de Luz como uma Estrela, ou um lampião. Ele está por tudo presente e sem origem. Este é um dos motivos de se chamar esta Luz-Ilimitada de Nada, pois não possui origem, não é um ponto, ou uma ausência, é uma presença ilimitada e infinita. Ain Soph Aur não possui uma quantidade, não pode ser acrescentado nada a seu tamanho; também não é uma totalidade, antes é infinita. Mas, sendo assim, como poderia ser Luz? A palavra Aur (Resh, Vav, Aleph), tem etimologia similar a áureo, aureolo, áurea, ouro, dourado, ou seja, algo luminoso. Para os escritores da Cabala, se convencionou dizer que a base de todas as demais substâncias é da natureza da Luz. Tudo aquilo que existe, existe nesta Luz.

Podemos perceber facilmente, na meditação que fizemos antes, que esta luz não é como as luzes que conhecemos comumente. Esta luz não emana de um ponto como uma Estrela ou uma lâmpada. Esta Luz não é uma luz comum. Poderíamos dizer, mesmo assim, que ela brilha? Que é luminosa? Poderíamos cogitar que os Cabalistas ao dizerem “Luz” queriam usar de uma metáfora. Que não se referiam a Luz como nós a concebemos. A palavra “Luz” pode ser usada de inúmeras maneiras metafóricas/simbólicas: pode se referir a outras coisas que não seja o iluminar como entendemos normalmente. Pode ser usada como ideia, iluminação, no sentido do insight, ou mesmo como o princípio da Vida, por exemplo. Mas, se mesmo assim, insistirmos no fato de que os Cabalistas não estavam sendo metafóricos e estavam falando de uma Luz como o iluminar, teríamos que fazer toda uma análise sobre a iluminação, sobre o brilho. Teríamos que fazer uma analogia com a Escuridão e a sombra para entendermos o brilho desta luz. Teríamos, até mesmo, que dizer que o Espaço infinito é completamente brilhante, mesmo sem estrelas e objetos para se iluminar. Seja como for, não faremos esta análise neste momento. Diremos, simplesmente, como já dizemos, que Ain Soph Aur é o primeiro existente no sentido da base para todos os demais existentes. Que é a substância ilimitada que preenche todo o Vazio do Espaço infinito do Ain Soph.

Podemos ir um pouco mais além para entendermos a natureza fundamental de base de princípio de Ain Soph Aur. Como poderíamos dizer que o Ain Soph Aur é a base, o fundamento dos demais existentes? Como podemos dizer que os demais existentes precisam existir necessariamente dentro de Ain Soph Aur?

Ain Soph Aur é aquilo que possibilita o Movimento no Universo. Se o Espaço fosse vazio de substância não haveria movimento. No Vazio Absoluto nada pode se movimentar. No Vácuo Total nada pode se movimentar. No Ain, ou no Ain Soph não há movimento ou vida,há Nada Vazio. O movimento presume se movimentar sobre um lugar, sobre uma substância, se deslocar sobre algo. Sem uma base substancial não há movimento. Podemos fazer algumas analogias para entendermos. Um peixe se movimenta na água. Se retirarmos a água o peixe não se movimenta como peixe, e possuiria seu movimento comprometido. Se tirássemos também o ar e toda a existência, deixando o peixe no completo vácuo ele não poderia se movimentar, ficaria estático, parado, imóvel, nem se quer envelheceria. O Homem, na Terra, se movimenta pelo ar, pelo descolamento do ar. Se tirarmos o Ar o Homem teria seu movimento comprometido. No vácuo absoluto não pode haver movimento. Os corpos celestiais: planetas, estrelas, satélites, cometas, só se movimentam porque há uma base para eles se movimentarem. O Espaço não é um Vácuo Absoluto. Aquilo que permite o Movimento é Ain Soph Aur. Permitindo o Movimento, ele permite a Vida.

Estes três Véus do Negativo são três mais são Um. Inseparáveis, um presumindo e necessitando do Outro. Oa Salvo a ressalva meditativa de que se esvaziássemos o Universo de toda a sua existência, e isso inclui o Ain Soph Aur, “sobraria” ainda o Nada, ou seja Ain e Ain Soph Aur.Os Três Véus do Negativo são Eternos. Por isso, o Nada Absoluto é o Fundamento de Tudo. Sem o Nada não há Existência.