Algumas considerações sobre o Abismo de Daath e a Filosofia contemporânea.

Escrevi algumas considerações sobre a relação entre a tese dos Adeptos da Travessia do Abismo de Daath, com a Filosofia contemporânea que argumenta sobre a destruição do Eu.

Gostaria da opinião de vocês sobre o Tema se vocês quiserem, pois escrevi isso baseado na minha compreensão que pode não ser a mais correta.
Att.

Sobre o Abismo de Daath e a Filosofia Contemporânea.

Cruzar o Abismo de Daath não é somente algo místico, mas é também filosófico (consulte "Liber os Abysm vel Daath" 474, para ver a lista de leituras filosóficas que Crowley recomenda). Por filosófico queremos dizer algo racional, pensado e meditado, pois todo filósofo medita, e, também, a filosofia contemporânea faz críticas ao "Eu" (Sujeito cartesiano, Ego psicológico, Eu transcendental etc), formulando-o como um equivoco da Razão, realizando assim uma crítica a individualidade e uma entrega a totalidade (Consulte Nietzsche em seus escritos póstumos, Heidegger em "Ser e Tempo" e Sartre em "Ser e Nada".) O tema “Cruzamento do Abismo” e a crítica Filosófica Contemporânea do Eu tratam dos mesmos conceitos.

Nietzsche é o principal crítico do Eu na forma como ele deve ser eliminado no Abismo (pois o Ego já é reconhecido e parcialmente destruído em Tiphereth e a destruição do Eu em Daath é diferente que a entrega do Eu à Vontade que ocorre em Tiphereth). Alguns comentadores desconfiam que a loucura de Nietzsche deva-se em parte a descoberta de que ele mesmo não existia, mas que a existência acontecia nele. Como ele mesmo diz, que "um pensamento vem quando ele quer e não quando eu quero"; que, absolutamente, a pessoa não é dona de si mesma; uma crítica profunda ao Eu.

Heidegger também realiza uma destruição do Sujeito (Sujeito é uma das formas que a filosofia conceitua o Eu, ou Ego, conforme Descartes). Heidegger conceitua o Homem como "Dasein", Presença. O Filósofo Alemão nos diz que o Homem não é um individuo particular, mas um ser-no-mundo, algo junto-ao-mundo, um-com-o-mundo e não separado dele, ele nos diz que o pessoal é o impessoal, e que o próprio é o impróprio (ver, "Ser e Tempo"). Também realizando assim uma desconstrução da ideia de Sujeito.

Sartre em seu livro "Ser e Nada" (reparem no título do livro, pois Sartre tenta demonstrar o Nada em sua filosofia, em contraste ao Ser), Sartre vai definir o Homem como o Para-si, e não como algo em-si. Ou seja, o Eu, para o Sartre é o Não-eu, algo próximo da conclusão de um Ipssissimus.

Vamos relacionar isso com o Misticismo. Uma relação da Filosofia com o Misticismo no que concerne ao Abismo de Daath.

Daath quer dizer “Conhecimento” em hebraico. Logo, cruzar o Abismo está relacionado com o Conhecimento. Dentro da Filosofia existe um estudo chamado de “Teoria do Conhecimento”, que diz respeito a como o homem elabora seus conhecimentos; a possibilidade de se conhecer; e como funciona nossa Razão. A Razão recebeu duras críticas pela filosofia contemporânea. Seu primeiro crítico foi Nietzsche. Nietzsche argumenta que a Razão é um instrumento ineficaz do corpo; a razão seria um criador de ilusões e equívocos como o Eu, o conhecimento, a individualidade e o Livre-Arbítrio. Temas diretamente relacionado e criticados pelos místicos para a travessia do Abismo.

A tese é que a Razão deve ser abandonada. No Liber Al está escrito pela fala de Hadit: "32. Também a razão é uma mentira; pois existe um fator infinito & desconhecido; & todas as palavras deles são artifícios". Crowley prescreveu dois métodos para se eliminar os pensamentos: 1º identificar no cérebro os pontos onde surgem os pensamentos ou onde eles são julgados (a neurociência contemporânea já descobriu estes pontos com seus aparelhos, algo que um místico faz pela observação), se concentrar nestes pontos e tentar inibir o surgimento do pensamento. 2º A todo pensamento formular sua contradição, sua antítese, e unir os dois para que eles desapareçam no choque do confrontamento. O fim último destes métodos, também da travessia do Abismo e da filosofia contemporânea é eliminar a Razão e os pensamentos para um livre curso da vida em sua totalidade através de uma vida em livre curso, sem os entraves das interpretações. Cito as "Confissões", diário de 19/04/1905: “Desta data (19 /11/ 1905) até a primeira semana de Fevereiro, eu encontrava-me insano. A ordália atual, é descrita com intensa simplicidade e paixão em AHA!. Eu a chamo de Ordália do Véu, o Véu do Abismo. A completa destruição da razão, deixou-me sem qualquer outro meio de compreensão, a não ser Neschamah ser Neschamah." http://www.ordoaa.com.br/arquivos/amt/abismo.htm

A razão e os pensamentos devem ser abandonados na travessia do Abismo. Todo pensamento é mentira. Qualquer conclusão sobre qualquer coisa deve ser abandonada. Qualquer julgamento sobre a existência, sobre uma pessoa ou um fato devem ser liquidado. Os motivos também são ilusões. Os motivos que damos para nossos atos são pequenas ilusões que satisfazem nossa vida diária. "Danado como um cão seja o Por quê e seus parentes".
Cito "Liber Cheth vel Vallum Abiegni sub Figura CLVI":
3. Deve tu misturar tua vida com a vida universal. Tu não deverás poupar uma gota.
4.Então teu cérebro deverá estar embotado,e teu coração não mais baterá,e toda tua vida de ti deverá partir;e serás arremessado à estrumeira,e as aves do ar banquetear-se-ão com tua carne,e teus ossos embranquecerão ao sol.
5.Então os ventos reunir-se-ão,carregando-te como se fosses uma pequena pilha de pó num lençol com quatro pontas,e dar-te-ão aos guardiões do abismo.
6.E porque não há vida ali,os guardiões do abismo concederão passagem aos anjos dos ventos. E os anjos deitarão tuas cinzas na Cidade das Pirâmides,e nome,doravante,não mais existirá.
http://www.mortesubita.org/thelema/livros-thelemitas/liber-cheth-vel-vallum-abiegni-sub-figura-clvi

Cruzar o Abismo, além de vencer o conhecimento, é, também, vencer o "Eu". Não somente o "ego", que é um aspecto negativo de si que o buscador já deveria ter vencido ao atingir Tiphereth. Mas é uma forma peculiar de se dissolver o Eu Verdadeiro na Vida (totalidade). O "ego" deveria já antes ser parcialmente destruído ao se atingir a Verdadeira Vontade. Elementos não condicentes com o Caminho deveriam ter sido descobertos e eliminados da Vontade. Atingir a Verdadeira Vontade já seria eliminar o Ego, ou, atingir o Eu Verdadeiro e abandonar falsos “eus”. Cruzar o Abismo é dissolver o Eu Verdadeiro no Todo para além da posse de si e da individualidade. Seria a descoberta e a vivência de que você mesmo não se pertence em nada; nem nos seus pensamentos e vontades e nem nas suas ações. Você mesmo é o Nada entregue ao Ser. A vida está no controle de tudo e você, nunca fez nada. A ilusão de que você está no controle, de que você possui Livre-Arbítrio, de que você é uma parte única separada do todo são eliminadas no Abismo. Você é um montinho de cinzas assoprado pelo vento. Isto é a eliminação do Eu, ou seja, a entrega e o despedaçamento, o aniquilamento de si na vida. Lembrando que o falso eu já deveria ter sido eliminado em Tiphereth. O que ocorre no abismo é um trato diferente com o Eu, ou seja, a dissolução e entrega, a não posse de si e uma confiança na providência do mundo. Cruzar o Abismo é parar de ouvir deus através do Anjo e o ouvi-lo em Tudo.

Existem alguns perigos óbvios na travessia do Abismo. Um deles é a Confusão e a Dispersão caracterizada pelo demônio Choronzon, que pode ser entendido como um “eu” dentro de você que surge, necessariamente, ao se arriscar neste tema (um ser que, segundo os Magistas, pode ser evocado para fora em uma aparência visível). É fato ficar confuso, pois na dissolução ao Todo, perde-se o Eu, o centro, o particular, o individual para o Todo, ou seja, você é o Todo, você é o sol, a lua, as arvores e até mesmo as outras pessoas. E, além disso, o Todo sempre lida com a parte. A parte é sempre em função do Todo, e o Todo controla a parte. Mas o Adepto faz um juramento para deixar visível este fato que já sempre ocorre, ou seja, que tudo está lidando com ele, que "tudo é um trato de deus com a sua alma", então passa-se a ouvir a Tudo, a se entregar ao Todo, e isso, no começo, causa um "arrepio na espinha", uma confusão, e uma certa loucura pois tudo o que o mundo faz e lhe apresenta é para você mesmo, e você percebe isso, você entende o que o mundo está lhe dizendo, ou seja, toda sua personalidade é escancarada para você pelo mundo e dissolvida nele. Se o adepto possui algo ainda dele, um defeito que ele não corrigiu, ou se ele acha dono de si, isso se torna intenso para ele até ele corrigir e os acontecimentos mostram tudo para ele. Neste momento, ou a pessoa se torna livre e a vontade nos braços de Babalon, ou ela é destruída, ou, ainda, se torna megalomaníaca ou paranoica. A pessoa pode ser destruída, pois se ela possui alguma falha está falha, ou algum resquício de Eu, isso irá se tornar visível em tudo e em todos e isso pode sufocar e destruir a pessoa ao ver o mundo podre ao seu redor. Ela pode se tornar megalomaníaca pois se considerará intocável, se considera protegida pelo Universo ("se tu quer me ver morto, mata-me agora. Vê, eu não morri!"), e tudo que ela é já sempre é a Vida e Deus. E se ela não passou corretamente pela suprema humildade dos Santos, se ela não se tornou um pó infinitesimal, um verdadeiro Morto, ela pode se encher de si e fazer Magia ao bel prazer, como um Mago Negro, pois tudo lhe é verdadeiro e tudo lhe é mentira, e "nada é verdadeiro e tudo é permitido" (megalomaníaco). A paranoia é fácil de ser percebida, pois tudo fala com você o tempo todo, e isso é um passo para a paranoia (para despreparados, pessoas que não atingiram Tiphereth) Para um clariaudiente, ela houve um monte de vozes (que não são os Muitos, mas o Todo, não é a Legião, mas a totalidade, algo que ela deve aprender a lidar). E parece que a própria vida lhe testará o tempo todo, para ver se resta algo de você ainda, e se resta, você irá perder. Este é outro fator da ordália, se você tem apego a algo, dinheiro, amor, saúde, você inevitavelmente perderá isso. Pois você deve se entregar a Totalidade e repousar nela, confiar na providência, se isso for falho você perderá tudo o que ama, pois seu amor deve ser direcionado para o Todo e a sua Obra que já sempre está sendo realizada desde depois de Tiphereth. O amor mundano é um sintoma de Ego, por isso se tudo isso não for devidamente derramado na Taça de Babalon, o aventureiro irá perder tudo isso. Você não pula o Abismo, você dá um mergulho nele.

Então, depois das ordálias, Kali dança sobre Shiva, Babalon cavalga a Besta, Isis junta os pedaços de Osiris, vemos Uma Estrela a Vista, e Chrestos é ressuscitado.

13.Sim!Verdadeiramente esta é a Verdade,esta é a Verdade,esta é a Verdade. À ti será garantido deleite e saúde e riqueza e sabedoria quando tu não fores mais tu.
14.Então cada ganho será um novo sacramento,e este não te corromperá;gozarás com o lascivo na ágora,e as virgens lançarão rosas sobre ti,e os mercadores ajoelhar-se-ão e trazer-te-ão ouro e especiarias. Também mancebos manarão maravilhosos vinhos sobre ti,e os cantores e dançarinos para ti cantarão e dançarão.
15.Entretanto,tu não estarás ali,pois tu serás esquecido, pó perdido no pó.

Mas, o que tal ser Morto quer saber de recompensas e promessas? O que importa as recompensas e promessas?

O amor é a lei, amor sob vontade.