Qual a importância da troca e transmissão de conhecimento?

Gostaria de colocar, mais uma vez para apreciação dos colegas do forum, uma questão que surge desse mesmo sitio onde está sendo abordado Goétia, Theurgia e Egregoras Brasileiras/Africanas. Como consideram as transmissões, a cadeia de conhecimento e prática que se estabelece em uma tradição através das várias expressões? Principalmente, poderíamos falar de uma pedagogia particular a esses sistemas? Qual a importância de instrutores, professores e companheiros na senda?

Z.

Difícil não ser prolixa em um assunto tão complexo.

@zosimo Como consideram as transmissões, a cadeia de conhecimento e prática que se estabelece em uma tradição através das várias expressões?

As religiões de matriz africana, em especial o Candomblé, possuem uma hierarquia rígida e que delimita também o nível presumido de conhecimento. Por exemplo, há distinção clara entre iniciados (iaôs, equedes, ogãs, et alii) e não iniciados (abiãs) e uma consequente delimitação de espaços e conhecimentos de acordo com o “grau” do devoto. Os abiãs não podem participar de determinadas cerimônias e, portanto, não têm acesso ao “conteúdo” delas, digamos assim. E, dentro mesmo da categoria “iniciados” há uma hierarquia: a do tempo de iniciação, que é marcado por cerimônias específicas de tempos em tempos (1, 3, 7 anos, e por aí vai). Assim, presumidamente, quem é mais “velho” sabe mais.

O Candomblé é uma religião complexa que envolve canto, dança, culinária, vestuário, etiqueta, oráculos, plantas, conhecimento de uma linguagem específica, tanto gestual quanto do ponto de vista linguístico. Este último, vale ressaltar, é um dos mais complicados, pois há poucos que se dedicam ao aprendizado da língua litúrgica, seja ela Gbe, Bantu, Iorubá ou qualquer outra, gerando um aprendizado por emulação e desconhecimento quase total do que está sendo dito ou cantado em um ritual ou cerimônia. Mais um ponto de discrepância entre vizinhos. O Opô Afonjá possui uma escola onde são ensinadas a língua e os costumes pertinentes à tradição e ali as crianças crescem já imersas no universo cultural do terreiro.

Talvez a resposta não atenda ao “considerar” propriamente, mas quis fazer esses esclarecimentos preliminares.

@zosimo Principalmente, poderíamos falar de uma pedagogia particular a esses sistemas? Qual a importância de instrutores, professores e companheiros na senda?

Diante da oralidade característica do sistema específico do Candomblé e de sua complexidade, o aprendizado se dá por emulação na maior parte dos casos. Um fenômeno interessante, de alguns anos para cá, são as oficinas e cursos ministrados por sacerdotes (nem sempre confiáveis) e livros sobre temas específicos como jogo de búzios, folhas (também nem sempre confiáveis). Aliás, pelo secretismo reinante no meio, tornou-se uma mina de dinheiro qualquer publicação sobre o assunto. Concluindo, em um sistema onde os mais antigos e graduados transimitem seu conhecimento àqueles que estão abaixo na hierarquia, os companheiros de senda são seus principais instrutores. Uma peculiaridade pedagógica são os mitos e histórias que pretendem explicar dogmas, tabus, etc., tornando sua memorização mais efetiva.

Esse modelo que foi citado existir nas religiões de matrizes africanas parecem também estar previsto em quase todos os tipos de organização religiosa, desde as mais antigas as mais modernas.

"Aliás, pelo secretismo reinante no meio, tornou-se uma mina de dinheiro qualquer publicação sobre o assunto. Concluindo, em um sistema onde os mais antigos e graduados transimitem seu conhecimento àqueles que estão abaixo na hierarquia, os companheiros de senda são seus principais instrutores. Uma peculiaridade pedagógica são os mitos e histórias que pretendem explicar dogmas, tabus, etc., tornando sua memorização mais efetiva."

Parece que isso é uma verdade também pros outros segmentos. Em algum momento parece ter se estabelecido maciçamente um ponto de vista essencialmente individualista e empreendedor, por assim dizer, da busca espiritual, quase imitando certos bordões 'iluministas' e 'industriais', tais como: "self made man", "self iniciation", etc. Até o "mercado editorial" sente isso.

Z.

Também percebo um padrão no modo de transmissão de conhecimento dentro de grupos e religiões, especialmente a relação tutor/tutelado, professor/aluno. Quase que uma reprodução de pai/filho, mais velho/mais jovem.

Creio que a tendência à busca individual seja mais um reflexo da credibilidade duvidosa dos ditos “mestres”. E também da maior facilidade de acesso a informações. Se antes era difícil encontrar informação a respeito de algo, hoje o que se tem de fazer é filtrar o grande volume de dados disponíveis sobre um dado assunto.